Tortura
Numa sociedade onde a ansiedade e o estresse invadem nosso cotidiano, é natural que a busca por equilíbrio seja uma atraente ideia.
Rogamos por um estado de harmonia em meio à mixórdia urbana, cujos efeitos desagradáveis podem nos levar a desenvolver fobias, doenças físicas e emocionais, desembocando numa verdadeira vertigem social.
Parece que a estabilidade em meio ao caos contemporâneo pode ser uma solução. Mas será?
Sun Tzu, o filósofo estrategista chinês que escreveu o tratado A Arte da Guerra há mais de dois mil anos, disse:
“O objetivo da guerra é a paz”
Se entendemos a paz como um estado de tranquilidade e serenidade, como pode ela ser o resultado de um processo conflituoso?
As artes marciais orientais, que visam o controle do corpo e da mente, nos dizem que o maior risco durante uma luta é quando damos um golpe no adversário, pois é nesse momento que estamos mais frágeis e expostos ao contragolpe.
Ao atacar, ficamos temporariamente fora de nosso ponto de equilíbrio.
Porém, este é retomado logo em seguida, quando voltamos à posição de defesa. A arte marcial é como uma dança que oscila entre ir e vir, desequilibrar-se e retornar ao ponto de partida, um movimento pendular que joga tanto com a estabilidade quanto com a instabilidade.
O ditado popular “dar o passo maior que a perna” também nos traz a ideia do desequilíbrio: revela nossa ambição, um querer mais do se deve, um deixar-se tomar pela volúpia desmesurada.
Algo que pode induzir ao erro, a caminhos perigosos. Ao mesmo tempo, um outro ditado diz que “após a tempestade vem a calmaria”.
Temos aqui a ideia do movimento cíclico: excesso seguido de contenção, turbulência seguida de silêncio.
Equilíbrio é o resultado diferencial nulo entre forças opostas ou equivalentes. Mas, atentemos: falamos de forças, isto é, energia dinâmica, poder de transformação.
Ou seja, se não tivermos instabilidade, desequilíbrio, uma perturbação de forças, o resultado (a vida!) será nulo.
Parece que o processo vital precisa de inconstância.
Usualmente entendemos que uma pessoa equilibrada é aquela que apresenta a capacidade de ter controle emocional.
Mas será que também não poderíamos dizer que quem tem equilíbrio emocional é justamente aquele indivíduo que circula entre o 8 e o 80 de suas próprias emoções incontroláveis, suportando a tensão diferencial resultante desse processo?
Será que o estado de equilíbrio, tal como o entendemos, não é uma ilusão?
Será que não é preciso dar o passo maior que a perna tantas vezes quantas forem necessárias no intuito de criar uma situação de instabilidade tal que engendrará um novo estado temporário de estabilização?
A vida é inconstante, indomável. É torturante, às vezes. Curioso é que a palavra tortura remete não só à ideia de angústia e sofrimento, mas também à qualidade do que é torto ou tortuoso, curvo, uma estrada retorcida repleta de curvas oblíquas.
Não seria isso uma imagem da própria vida, torturante em sua impermanência?
Equilíbrio é o jogo eterno entre instabilidade e correção, tentativa e erro. É ter o direito de existir num fluxo de forças antagônicas, de circular entre os opostos torturantes intrínsecos às experiências humanas.
É dinamismo e mudança de potencial, é viver a penúria de um estado de guerra entre forças. É estar vivo na Vida.